terça-feira, 13 de outubro de 2020

Número de motoboys aumenta com a crise

O aumento na demanda pelos serviços de delivery e o crescimento no número de desempregados durante a pandemia geraram uma alta no número de motociclistas nas ruas. 

A maior visibilidade contribuiu para melhorar a percepção dos motoboys na população, uma vez que esses profissionais continuaram se expondo ao risco de contaminação para fazer entregas a quem pôde e ainda pode se manter em casa.

"Agora o motoboy é visto como uma pessoa do bem, que ajuda o próximo", declara Matheus Mesquita, 25. Entregador de um supermercado no Rio de Janeiro, ele diz que a oferta de trabalho cresceu.

Assim como Matheus, o estudante Breno Patrizi, 22, afirma que sem a moto seria mais difícil encontrar uma ocupação neste momento de redução da atividade econômica. Após ser demitido do estágio, Breno passou a fazer da motocicleta sua fonte de renda. Atualmente, trabalha como entregador em Niterói (RJ). "Como recebo na hora, sempre dá para ajudar em casa", diz.

Segundo o sociólogo especializado em trânsito Eduardo Biavati, apesar da recente explosão no número de motos em circulação, o crescimento das vendas vem desde os anos 2000, como resultado de incentivos à indústria e facilitação do crédito. "Muitas pessoas continuaram longe de poder arcar com um carro, mas conseguiram comprar uma motocicleta."

Hoje, as motos ultrapassam 28 milhões de unidades e já são mais comuns que os carros em 40% dos municípios, de acordo com os dados do Registro Nacional de Veículos. Segundo dados da Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores), a venda de motos em agosto cresceu 12,7% em comparação a julho e alcançou o melhor volume do ano. As 95.998 unidades comercializadas no mês passado superam em 8,3% agosto de 2019.

Importantes na geração de renda, as motocicletas continuam no topo da lista de acidentes. De acordo com dados do seguro DPVAT (Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre), 79% dos benefícios pagos no 1º semestre deste ano foram destinados a vítimas de acidentes envolvendo motos.

O impacto no sistema de saúde é enorme. Dados do Ministério da Saúde mostram que, de cada dez atendimentos no SUS (Sistema Único de

Saúde) por acidente, oito são de motociclistas. Em 2017, segundo a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), o gasto da rede pública com internações de motociclistas acidentados foi de quase R$ 164 milhões.

Marcos Silva (nome fictício), 42, é uma dessas vítimas. Exentregador, sofreu um acidente no dia de folga e passou por 13 cirurgias pagas pelo SUS. Desde então, está afastado de qualquer trabalho. "Eu pagava a faculdade com o dinheiro das entregas. Agora, a renda caiu bastante. Não consigo trabalhar por causa das dores e, por andar de muleta, também não consegui renovar o benefício do INSS."

As condições de trabalho desfavoráveis são um dos fatores que levam a acidentes, segundo Edgar da Silva, presidente da Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil e motociclista há 19 anos em São Paulo. "Um motociclista mal alimentado, com o veículo precarizado, trabalhando por muitas horas, tem como resultado o acidente", diz. Para ele, porém, a raiz do problema está na formação dos condutores, que pouco aprendem nas autoescolas.

O diretor do Observatório Nacional de Segurança Viária, José Aurelio Ramalho, concorda. "Muitos motociclistas conseguem a habilitação sem estarem preparados", afirma. Ele considera insuficientes o conteúdo teórico e o treinamento fornecido nos departamentos de trânsito. "É preciso treinar a percepção de risco. Isso se faz com aulas e exames na rua, não adestrando o aluno para passar no teste", diz.

Apesar dos altos números de acidentes, especialistas afirmam que é possível aproveitar os benefícios das motos, como baixo custo e agilidade, reduzindo os riscos à integridade física dos motociclistas.

Eduardo Biavati, sociólogo especializado em trânsito, lista algumas medidas de cunho viário que poderiam garantir maior segurança, como ruas melhor pavimentadas, iluminação eficiente, ajuste na posição de placas de trânsito e a criação de "bolsões" para separar motos e carros nos semáforos, ideia que já vem sendo implementada em cidades como São Paulo, Rio, Belo Horizonte e Curitiba.

"A moto, isoladamente, não é o problema", afirma Biavati. O que é preciso, diz, é implantar políticas públicas que efetivamente transformem as motocicletas em aliadas no trânsito. "Diferentemente do que muita gente pensa, o motociclista não é um suicida."

Bike vira fonte de renda e projetos sociais ensinam mulheres da periferia a pedalar

aracaju Ainda no início da pandemia, a OMS (Organização Mundial da Saúde) divulgou o informativo Movendo-se durante o Surto da Covid recomendando os deslocamentos a pé ou de bicicleta como formas mais seguras de se locomover pelas cidades.

Belo Horizonte entendeu o recado e já havia implantado, até julho, 30 km de ciclofaixas emergenciais interligando a região central com as zonas leste e oeste. Em outros países, cidades como Bogotá, Paris e Londres também seguiram a recomendação da OMS.

"As ciclofaixas emergenciais refletem este momento específico da história, no qual temos a bicicleta como alternativa à aglomeração em trajetos de pequena e média distância", afirma Gaia Lourenço, coordenadora da Ameciclo (Associação Metropolitana de Ciclistas do Recife), projeto criado em 2013 com o objetivo de sugerir alternativas ao transporte urbano.

No Recife, a Ameciclo chegou a propor a implantação de ciclofaixas emergenciais durante a pandemia a partir de um projeto de baixo custo baseado no Plano Diretor Cicloviário do Grande Recife, de 2014. "Dos 590 km previstos para serem criados em até dez anos, apenas 20% foram construídos", diz Gaia. "A Câmara dos Vereadores aprovou três vezes um requerimento, mas serve só como pressão, não tem valor efetivo."

Como forma de reduzir os riscos na pandemia, em abril, a associação criou uma ação para ciclo-entregadores, distribuindo álcool em gel e equipamentos de segurança, além de oferecer manutenção das bicicletas. "É um modo de trabalho que a gente viu crescer com a chegada do novo coronavírus. Precisamos incluir esses entregadores na mobilidade urbana", diz Gaia.

O serviço de entregadores por aplicativo aumentou não só no Recife, mas em todo o país. Apesar de não haver um recorte apenas para os ciclistas, estimativa feita pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) na Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), divulgada neste ano, apontou que existem 645 mil trabalhadores cadastrados em aplicativos de entregas de refeições somente em São Paulo. Um aumento de 158% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Morador da região metropolitana de Aracaju (SE), Jefferson Santos Brito, 20, é entregador ciclista. Desempregado, vive com a mãe, o irmão e o padrasto, e viu nos aplicativos uma oportunidade de complementar a renda familiar na pandemia. "Precisava ajudar a minha mãe, então comprei uma bicicleta e comecei a fazer entregas."

Sobre duas rodas, percorre 60 km por dia. "Muitos entregadores falam que o motorista não respeita quem está de bike. Isso acontece porque a bicicleta é um meio oculto no trânsito. Fora da ciclovia é uma luta contra os carros, mas no contexto da pandemia me sinto mais seguro."

Juno, 24, trabalha como garçonete no restaurante em que Jefferson costuma buscar entregas. Desde setembro, ela voltou a se deslocar de bicicleta. "Neste momento ter bike é um alívio", afirma.

Visando novas estratégias de geração de renda para mulheres negras e moradoras da periferia, Lívia Suarez, 33, e Maylu Isabel, 25, criaram em Salvador o empreendimento social La Frida Café Bike.

Em 2017, elas lançaram o Preta Vem de Bike, ação que já ensinou mais de 500 mulheres a andar de bicicleta. Durante a pandemia, o La Frida criou um serviço de compartilhamento gratuito de bicicletas para entregadores. "O Compartilhamento La Frida surgiu de uma demanda de mulheres que estavam buscando a alternativa da entrega", explica Lívia Suarez.

O Pedal na Quebrada, que atua em São Paulo, também incentiva mulheres da periferia a se deslocarem de bicicleta. Jô Pereira, cicloativista e fundadora do projeto, explica a necessidade de construir cidades onde a bicicleta seja uma prioridade.

"Garantir o uso da bike como principal meio de transporte na pandemia é viabilizar a segurança dos cidadãos. Além disso, permite construir uma nova cultura de inclusão desse meio de transporte no nosso deslocamento diário."

Veículo: FOLHA DE S. PAULO - SP
Editoria: ESPECIAL
Tipo notícia: Matéria
Data: 13/10/2020
Autor: Amanda Andrade e Diogo Bugalho Ilustrações Kleverson Mariano

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